Saturday, April 08, 2006

zezinho: um "manezinho" bom pra cachorro

"você é responsavel por tudo aquilo que cativa".

a citação nos fazia rir debochadamente. tempos da ditadura, tempos das misses, que indefectivelmente citavam le petit prince(oui, muitas delas em francês), do antoine de saint-exupery, como seu livro de cabeceira.

não sei quantas delas ou quantos de nós realmente leu o livro. brasil é assim. é o país onde se gosta ou não se gosta de um livro, de um fime, de uma peça, sem o ler, ver ou assistir. mas o fato, impensável, é que, imagine, se alguns de nós, tipos engages, ia lá ler um livro meloso daqueles ? livro de miss? alguns, até durões, talvez, mas no disfarçe.

não sei quem, presenteou-me com um exemplar do pequeno príncipe, anos 60, acho, num formato simpático de caderneta de endereços, capa dura, e umas ilustrações do principezinho louro, que de vez em quando punham-me a matutar, principalmente aquelas, dele sobre planetas, em sua solidão. tempos mais tarde, adquiri num sebo uma edição em francês, sem a graça desta, mas ainda imbuído de um ligeiro deboche.

zezinho, mas é como se fosse manezinho, manezinho é quem nasce na ilha de florianópolis, não sei se você sabe? é o nome que dei a um bichano que apareceu cá por estes dias. pra não parecer provocação aos manés - aqui também mané tem a conotação de otário, trouxa, comumente definido como bocó - uma forma carinhosa presente na ambiguidade dos diminutivos. zezinho é um quase gato de rua, que após uma briga ou uma investida sexual que durou toda a noite, devidamente acompanhada da algazarra que só os felinos sabem fazer, quedou-se ante a porta na manhã seguinte, coro estropiado e uma coriza crônica.

não seria eu que, estando de passagem, ainda mais na casa dos outros, não me conhecesse neste tópico - sempre digo para mim mesmo que não vou mais apanhar animais de rua, e já tenho 14 cachorros, uma gata, e quase meia a dúzia mais, já que os alimento diariamente. quer dizer, agora minha mulher o faz, enquanto estou ausente, com se não bastasse um histórico de ter muitos mais animais - que o alimentaria de esperanças. mas os donos da casa, muito embora não o quisessem, de certa forma o fizeram. comidinha aqui, água ali, zezinho foi tomando conta.

tomando conta fiquei eu. um mucolin pediátrico para os brônquios e seus mucos, um antibiótico que se faz necessário porque a coriza anda renitente, uma pacote de whyskas que confirmou que sim, ele já teve casa, e já comeu ração, tamanha excitação só de ver a embalagem.

zezinho foi conquistando espaço na casa e já na minha vida, sendo a sua maior conquista a permissão, que não foi logicamente dada por mim, de subir e refestelar-se no sofá. não fosse o clima, já teria lhe dado um banho, o que não o impede de roçar-me a barba - finalmente alguém que gostou da minha barba - o que descobri após um cochilo no tal sofá, devidamente acompanhado por zezinho que deitado sobre o meu peito, ninou-me com seu ronronado para depois acordar-me aos quase beijos. e assim, firmou-se um ritual, que já completa mais de uma semana.

mas toda história tem um fim. e o fim para o zezinho, será ficar sem mim. e sem a casa, já que os donos também vão partir para outra e mesmo sendo mais ampla não contemplam a possibilidade de vê-la com mais um morador. nestes dias de procura e espera, zezinho tem me acompanhado, contrariando a falsa noção de que os gatos são " interesseiros" e que só nos procuram na hora da alimentação. zezinho é um cão de guarda fiel. interessa-lhe estar junto e vejo nos seus olhos que nada mais espera do que a companhia do que sabe ele faz-lhe bem. e nos fazemos bem um para o outro como só nossos olhos e nosso peito sabe avaliar.

a não mais de uma semana de partir, hesito agora em deixar-lhe subir o peito e aproveitar este convívio o mais que possa. ao tempo que fico entre as duas crueldades; decepar agora a nossa relação, antecipando-lhe, e a mim, o vazio, pra lá de existencial, que sabe-se lá como será preenchido ou envolver-me o mais profundamente nestes "últimos dias de pompéia " , talvez como se fossemos thelma e louise até o buraco final ?

ontem estive numa livraria e não achei o antoine. e lembrei-me do meu sorriso debochado a desdenhar de mim próprio.

sendo uma história de aviador, eu não consigo, mesmo no fundo sabendo que posso, terminá-la achando um lugar para zezinho no meu avião. o que me recorda das muitas vezes em que intrigado já vi gatos olhando para o céu a procura do ronco daqueles pássaros que tenho dúvidas se não sabem eles levam gentes sem nada na mão.

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